sexta-feira, 25 de outubro de 2013

GRAVINNAS - vol. I

Esta série de posts, iniciada hoje, será dedicada aos musicausos de algumas sessões de estúdio que fiz, de 1996 em diante. Tentarei fazer uma apreciação musical da música/compositor/intérprete bem como dos "guitarisms" propriamente ditos. Creio que esta abordagem agradará tanto aos apreciadores da Música Sergipana como aos meus colegas das 6 cordas. Sugiro fortemente que a leitura não seja iniciada antes de se apertar seu respectivo PLAY. Obrigado e vamos lá!

HANNA BELLY

No começo dos anos 2000 frequentei bastante o estúdio Capitania do Som, de Neu Fontes. Fosse gravando sessions ou apenas como um amigo ávido por aprender mais com o mestre, que àquela altura já contabilizava uns 20 anos de atividade como artista-solo, compositor, produtor musical e agente cultural dos mais destacados.

No ano de 2005, Neu produziu um CD para a trilha de um espetáculo de dança da Cia. Hanna Belly, de Cecília Cavalcante. E que além de canções originais, contou com a participação de violonistas e compositores como Alvino Argollo, Alberto Nery e o próprio Neu, ele próprio violonista habilidoso e ex-aluno do Conservatório de Música de Sergipe. E conversa vai conversa vem, eis que ele me convida para tocar violão na faixa-título. Sim, violão de nylon, numa pegada meio flamenca/Paco de Lucia, aquelas coisas.

Arte do CD do Portal Hanna Belly
Embora eu seja essencialmente um guitarrista de rock, o singelo violãozinho – da seresta, do banquinho, do concerto – foi meu primeiro instrumento. E em casa, até hoje ele é minha 1a opção, pela praticidade. É pegar e tocar, sem complicação de cabos, pedais, tomadas, correias, etc. De forma que adorei a oportunidade de tocar umas escalas menores, costurando o vocal “magaliano” e cheio de drives de Neu.

O violão que usei foi um do próprio Neu. Um violão de uma dessas marcas chinocas que vem invadindo o mercado já há alguns anos, e que Neu conta, entre risadas, que comprou a Mingo na Casa do Artista: “tava lá, peguei o violãozinho, fiz uns acordes e disse: é meu!”. De fato, apesar de ser um instrumento barato, o danado tem muito equilíbrio de frequências e soou muito bem. Usei palheta na gravação, do contrário não conseguiria fazer os runs 'faux-flamencos' nem as frases malmsteeneanas. A maioria delas improvisada, e uma curiosidade: em 2:36, uma referência explícita a Yngwie, pois toquei trecho do tema de “Eclipse”, do álbum homônimo de 1990.

Enfim, diversão pura numa session leve entre amigos, em que tudo fluiu, sob os bons fluidos da dama de copas e da papisa da letra.

TARDES


Participei da banda-base de seis festivais Sescanção: anos de 2000, 01, 03, 04, 05 e 06. Uma verdadeira escola, que me permitiu trabalhar - mesmo que por uma vez apenas - com artistas que de outra forma dificilmente teria oportunidade, a exemplo de Irmão, Ismar Barreto, Lina Souza, Cláudio Barreto, Kléber Melo e muitos outros. Eu e Valdo França éramos responsáveis pela maioria dos arranjos, variando caso-a-caso conforme o grau de envolvimento do artista. Alguns envolviam-se a tal ponto que pouco ou nenhum espaço à criação restava aos músicos. Outros, em contrapartida, chegavam com mero esboço no violão e confiavam plenamente à banda-base os arranjos. A esta última categoria pertencia Marcos Aurélio.


Destaque de festivais importantes nos anos 80 e figura muito “leve”, meu xará emplacou duas músicas nesse punhado de 6 CDs que gravei. “Esquinas, Canais e Poxins” e “Tardes”, no CD de 2001. E de “Tardes” falaremos: embora a música tenha solos de guitarra na introdução e entre os versos, a condução da música é feita pelo violão de aço – que gravei dobrado - buscando um clima mais intimista, com eventuais inserções de guitarra, preparando para o grand finale: um coda com um minuto de...rock progressivo (!), uma ideia que tive do nada durante os ensaios. E assim foi gravado, com compasso 7/4, muitas viradas de bateria, etc. Marcos permitia todas essas experiências e se divertia tanto quanto a gente. E as gravações que fiz para ele estão entre as minhas favoritas.

O compositor e cantor Rubens Lisboa - também autor do blog semanal Musiqualidade -  e sua prosa entusiasmante abrilhantam, a partir de agora, este post:


Conheci Marcos Aurélio em 1985 na segunda edição do Festival Novo Canto, o único que, na época, se preocupava em revelar reais talentos musicais sergipanos. Se a memória não estiver a me trair, ele concorria com duas canções, mas me lembro perfeitamente de que uma delas, “Navalha no Pescoço”, sagrou-se merecidamente a campeã naquele evento.


Com minha timidez de adolescente, demorei um pouco a me aproximar daquele jovem de quem fiquei fã desde a primeira vez que o ouvi. Dono de uma voz inconfundivelmente bela e com uma extensão como poucas vezes tinha ouvido antes, Marcos seria o intérprete perfeito para algumas das canções que me começavam a brotar.

Quis o destino, no entanto, que até hoje esse desejo não se concretizasse. No entanto, já no ano seguinte, quando eu, universitário, estava à frente da realização de um festival de música na UFS, nós nos aproximamos naturalmente e aí pude constatar que Marcos Aurélio não era só grande como artista, mas também como ser humano.

Ato contínuo, ele passou a frequentar minha residência todas as vezes em que ia buscar sua noiva que trabalhava numa videolocadora próxima e aí vimos como possuíamos gostos musicais parecidos. Muitas ideias e impressões foram trocadas, mas a vida seguiu como faz incansável e impiedosamente...

Algum tempo depois, quando eu estava a escolher o repertório para o meu primeiro CD, surgiu e me mostrou uma bela canção que havia composto e que, segundo ele, se parecia comigo. Amei a música de cara e quis muito gravá-la. Ele me prometeu que a registraria em uma fita cassete (é, será que alguém ainda se lembra do que é isso?) e até hoje eu espero.

Marcos Aurélio é biscoito muito fino. Intérprete irrepreensível que une técnica e emoção na medida certa, além de ser um compositor inspirado, por que será que ainda não conseguiu o reconhecimento à altura de seu talento? Embora eu guarde algumas suposições a respeito que prefiro tê-las para mim, a resposta certa talvez somente os deuses da música possam dar.

O fato é que eu continuo fã de carteirinha desse cara, e isso eu confesso de peito aberto: uma das maiores vozes masculinas que já ouvi na vida. Ávido por reencontrá-lo nos palcos, continuo querendo muito ouvir em breve a tão esperada notícia de que seu primeiro CD irá sair. E a vida segue incansável e maravilhosamente...”

HISTÓRIA PERFEITA


Em março de 2006 recebi um telefonema de Petta, do Central Estúdio, para fazer uma session de... forró. Fiquei surpreso, pois o estilo possui algumas idiosincrasias um pouco distantes do que costumo tocar, mas prontamente aceitei o convite, e lá fui eu numa noite em que as águas de março resolveram de factum fechar o verão, armado com Silhouette + POD XT Live.

Como é (ou era, não sei se o curso de Música da UFS mudou isso) comum em muitas sessions do tipo, você é chamado sem conhecer nada da música e tem que aprender a música e criar suas partes na hora. Nunca gostei muito dessa abordagem, mas sempre fui otimista, acreditando que “no fim dá tudo certo” e assim penso que a maioria delas, de fato, deu. Quando gravei estávamos apenas eu e Petta no estúdio, acho que depois o “dono” da banda apareceu – sempre achei esquisitíssimo uma banda ter um “dono”, mas isso seria assunto para um post inteiro. No baixo, o saudoso Gilson Batata, então onipresente nas gravações de forró. Os demais integrantes não conheço (acho que Petta fez teclados), em todo caso quando gravei havia apenas guias. Valendo mesmo acho que só baixo e bateria.

Foi enorme a quantidade de tracks que tive de gravar: base “telengotengo”, base com power chords (sim, não é exclusividade do Metal), solo com distorção, dobra do solo e uma inacreditável base fazendo mute nas cordas, com wah-wah (como na introdução de Voodoo Child, de Jimi) Indaguei a Petta se era aquilo mesmo: “todo forró hoje tem isso!” - disse ele. Não tenho certeza, mas acho que ainda toquei violão na introdução. E o babadinho, ó...

Depois soube que a música era versão de uma banda gaúcha que fazia algum sucesso na época – de fato, pouco depois da gravação viajei pra Gramado/RS e ouvi a tal música (com os arranjos pampescos, claro) tocando no sistema de som de uma loja. Curiosamente, a introdução da versão original foi utilizada no forró também, um sampler completo. Ou seja, a gravação made in Central só começa, de fato, aos 0:18, com os 1os versos do vocalista (a la Zezé/Diau, como bastante em voga na época).

Petta, cérebro do Central
Em 1:33 começo um solo, dobrado por teclado na maior parte do tempo, que foi o que justificou minha convocação para a session (quando surgiu a demanda por uma guitarra mais virtuosa e roqueira, Petta sugeriu meu nome): alguns runs ascendentes em sextinas e uma parada onde aparecem até fusas.

Interessante como o pessoal do forró conseguia mixar tantos elementos juntos: além dos vários tracks que gravei tem sanfona (que fica mais desenhando que fazendo base), percussão, teclados, vocais, etc. Uma audição atenta mostra que esses elementos ficam bem espalhados pelo panorama do mix, e alguns bastante escondidos
Como gosto de ter todas as sessions que fiz, voltei em Petta algumas vezes mas não consegui com ele a mix final. O material já tinha sido apagado dos HDs, algo do tipo. Não lembro se a música chegou a integrar um CD da banda – aliás, nem sei se ainda existe a banda. E tê-la conseguido, na verdade, foi pura sorte. Eu navegava no finado Orkut, quando encontrei a comunidade de fãs da banda, e num post alguém pôs o link para várias músicas. Fui ouvindo-as até enfim encontrar as “minhas”.  

FLOR BRASIL


O cantor e compositor Irmão, falecido em 2010, foi o vencedor da versão 2005 do Festival Sescanção, antes desse ser transformado em “mostra de música” e dispensando a classificação. Formado em Economia e servidor público estadual, Wellington dos Santos a.k.a. Irmão contava comlonga trajetória na música sergipana, ao lado do parceiro Tonho Baixinho, e sua obra possuía um grande viés social, apontando as mazelas das minorias. No caso desta música em particular, da população indígena. O que fica bem claro no verso “Zarabatana pega de jeito, com essa gente tem que se ter respeito”. Além de citar várias das nações indígenas “São Tapajós, Xocós, Xavantes, Carajás (…) porque são homens e mulheres pais desse país”.


Vinnas, Irmão e Robson MacShear - Sescanção 2005
Para o arranjo, que é um Ijexá com muitos elementos percussivos, optei por uma sonoridade que lembrasse a guitarra baiana, com o uso de notas muito agudas – já no 1º solo aparece um F#6 (o bend de um tom na nota MI da 24ª casa, 1a corda) – e fraseado a la Armandinho Macedo, uma de minhas primeiras influências.

Uma outra raridade para mim foi o uso de slide. Não tenho o menor talento para ele, mas gosto de utilizá-lo quando a cadência muda rápido e preciso espremer dois acordes de mesmo shape em pouco tempo. E é justo isso o que acontece na parte B da música: dois acordes por compasso.

Tinha acabado de adquirir um POD XT Live, então uma novidade, e usei vários timbres dele ao longo desse CD. Para o solo de Flor Brasil me lembro de ter usado simulação do pré-amplificador Marshall JMP-1, conhecido por ter dado vida a muitos álbuns clássicos do hard-rock oitentista e por ter um som “justo” (ou tight, como dizem os gringos). E acho que isso ajudou a me aproximar da sonoridade aguda das baianinhas. Outra curiosidade é que gravei minhas partes em casa, no modesto PC que tinha à época, salvo engano usando o Sonar. Depois levei os tracks pro estúdio num CD-RW (o pen-drive ainda não era tão popular como é hoje) apenas para a pós-produção (compressão, EQ, reverb etc).







sábado, 5 de outubro de 2013

ALEXANDRE DINIZ - Rock'n'Roll Doctor

Quando me interessei por guitarra elétrica, no ano de 1986, a cena em Aracaju já contava com algumas bandas que “faziam acontecer”, mesmo nas precárias condições da época. A qualidade dos instrumentos e efeitos disponíveis no Brasil era horrível, imaginem em Aracaju, onde ainda hoje é difícil encontrar material. Bandas como Karne Krua, Fome Africana, Crove Horrorshow, Guilhotina e H2O agitavam a capital, e fazendo música autoral, o que não existiu – ao menos não do meu conhecimento – com os precursores dos anos 70, bandas como Os Águias, Os Vikings, The Tops e outras de que muito ouvi falar.

Fiz meu 1o show em 1988, com a banda Trem Fantasma, e fui com o tempo conhecendo as pessoas que desde o começo da década escreveram a história do Rock em Sergipe. E é da natureza curiosa do ser humano saber “por onde andam” as pessoas. Qual fã de hard-rock não quer saber novidades do sensacional guitarrista Vito Bratta, um dos expoentes do final dos 80's e que após alguns revezes sumiu do showbiz e vive uma vida simples cuidando da família em Staten Island/NY? Bem...dos músicos locais, Vicente Coda mergulhava nas artes plásticas, depois emergia com sua Paraphernalia, participando de festivais e tocando sua carreira de artista multimídia. Luiz Eduardo (Crove) acaba de fazer o show de lançamento do talvez mais aguardado CD de uma banda de rock sergipana, o “Depois do Rock”. Sílvio Campos dispensa apresentações e é hoje sinônimo do Rock sergipano. De Soneca, guitarrista da Guilhotina, pouco sei (idem os outros dois músicos, Sérgio Pauleira e Denisson); mas o encontrei faz alguns anos com a família em dia lúdico no Shopping e pelo que me disse, levava uma vida low profile em termos de Música, acho que apenas tocando violão entre amigos.

A grande lacuna ficava mesmo com Alexandre Diniz, a.k.a. Macaxeira. Emmanuel Serra (hoje mentor do grupo Renantique de música antiga), o outro guitarrista do Trem Fantasma, foi a 1a pessoa que me falou dessa banda e desse guitarrista. E me mostrou fitas K7 gravadas em shows que continham muitos solos viscerais. Ouvir aquilo nos inspirava a aprender e a tentar tocar melhor. No final dos anos 80 cheguei a assistir um show do outro grupo de Alexandre, o Código de Acesso, na Atalaia Nova. E pouco depois disso, Alexandre desapareceu da cena. Os anos passaram e fui me intrigando: por onde andaria o guitar-hero sergipano dos 80's? Será que se afastou completamente da Música?

Motivado pela criação deste blog e pela história contada no excepcional filme “Searching for Sugarman”, decidi encontrar nosso Alex Van Halen. E a tarefa foi muito mais simples que a dos bravos sul-africanos do filme. Uma rápida googleada pelo nome completo dele retornou muitos resultados. Dr. Alexandre Diniz Filho é biólogo, professor titular em Ecologia & Evolução da UFG e pesquisador do CNPq. E ficou muito animado em contar histórias do tempo em que seus esforços para salvar o planeta consistiam em atitude, 3 acordes e muito volume. Isso na esquecida Aracaju do final da ditadura militar. Preparem-se para uma viagem de 30 anos no tempo, conduzida por nosso Rock'n'Roll doctor!

Em Londres, na posse como membro da da sociedade Linneana (onde o trabalho de Darwin foi apresentado pela primeira vez, em 1857)
(Marcus Vinicius) O historiador Luiz Antônio Barreto, em artigo publicado no portal Infonet, destaca que seu pai foi um dos “meninos-cantores” que fizeram sucesso no rádio, na Aracaju dos anos 50. Você teve um ambiente musical já de berço? Qual a sua memória musical mais antiga?

(Alexandre Diniz) Sim, é verdade...Desde bem pequeno me lembro de meu pai e meu tio (Demócrito Diniz) ouvindo discos, comentando arranjos de músicas etc. Isso era algo bem presente, o tempo todo tinha alguma coisa envolvendo música. Meu pai até hoje toca piano muito bem, e lembro quando ele comprou um piano logo que voltamos para Aracaju, em meados dos anos 70. Mas eu só comecei a me envolver mais concretamente por música, mais especificamente pelo violão, já na adolescência. Acho que foi no Natal de 1982 que pedi para meu pai um violão de presente, e uns 6 meses depois, no meu aniversário em julho de 1983, ganhei uma guitarra. Foi nesse época que começamos o H20.

Comenta-se entre os aficcionados, e inclusive a história é contada em detalhes por Adelvan Kenobi em seu Dossiê do Rock Sergipano, que nos anos 80, a bandeira do rock em Aracaju era levantada por bandas como Perigo de Vida, Karne Krua, Alice, Guilhotina e H2O, dentre outras. No entanto, parece-me que a mais antiga delas é mesmo a H2O. Como a banda se formou? O repertório era autoral? Que linha a banda seguia? Quais os shows e momentos mais significativos?

É difícil lembrar dos detalhes 30 anos depois...Dessas bandas que você menciona acho que o H2O é o mais antigo mesmo. Começamos em meados de 1983, depois que eu ganhei uma guitarra (“Tonante”, acho...), e meu tio me deu uma guitarra Giannini antiga dele, muito legal. Ai eu e um colega de escola, o André Horta Melo, começamos a pensar na banda. Ele morava perto do Mercinho, que tocava baixo, e depois de algumas tentativas, achamos um baterista, o Adelmo (não lembro como chegamos a ele). Começamos a ensaiar na casa de uma amigo, o Silvio, que era vizinho do Mercinho, ali na rua Lagarto, e que brincávamos que era nosso empresário e produtor. Essa foi a primeira formação (foi ai que conhecemos o Eduardo, também por meio do Mercinho, foi nessa época que ele menciona que nos conheceu, na entrevista dele, ainda na casa do Silvio).

Nessa época, as influências eram as de sempre, Beatles, Stones, Queen, Police, Deep Purple, Van Halen, Def Leppard, e Led Zeppelin, mas a verdade é que não tínhamos competência para tocar muita coisa deles, fazíamos uns rifts, uns temas, e íamos levando. Lembro que tocávamos “As Tears goes by”, uma “lenta” dos Stones, uns temas do Beatles, “Down em mim” do Barão Vermelho, uma péssima adaptação do rift de “Smoke on the Water”, o resto eram canções nossas. Nessa época devíamos ter umas 10-15 músicas no repertório, todos nós fazíamos algumas canções, nessa época inicial, especialmente o André. Em termos de estilo, era um pouco bagunçado, rock mais pesado sem dúvida por causa das guitarras e rifts, mas sem nada muito definido. Pelas influências tão variadas de cada um e mencionadas acima, ficava muito indefinido...Lembro que algumas outras bandas que apareceram mais ou menos na mesma época ou um pouco depois, inclusive o “Perigo de Vida” do Eduardo e o “Karne Krua” do Vicente tinham estilos bem mais definidos (e acho que éramos um pouco criticados por causa da indefinição, mas é a vida). Depois, já na 2ª. Fase do H20 e no Código de Acesso, a coisa era um pouco mais elaborada, em termos de rifts mais sofisticados, mudanças de tonalidade, pausas, combinações de ritmos e andamentos, etc, por causa do Perrucho, que trazia uma coisa mais de rock progressivo, e das minhas influências do Malmsteen (depois comento isso). Lembro que o disco “Synchronicity” do Police, que saiu nos EUA em 1983, foi um choque...Engraçado é que, embora nós (pelo menos eu) não tivéssemos muito consciência disso na época, estamos no meio da ditadura militar, tínhamos que levar as letras das músicas na Policia Federal antes dos shows, etc. (N.R.: como é que é?!!)
Alexandre, Adelmo, Mercinho e Perrucho
Com essa primeira formação lembro que demos um primeiro show na praia, acho que no Réveillon de 1983/1984, que foi um desastre, e depois uns 2 ou 3 shows na feirinha de domingo na Praça Tobias Barreto. Nessa época todo mundo andava muito junto, tinha uma galera inclusive que não tocava mas acompanhava todos os shows etc (Silvio, Oscar, Tarcisio Santos, e o Hélder Aragão – que depois viraria uma figura importante em Recife como DJ Dolores, certo?), além do pessoal das outras bandas, especialmente o Eduardo, o Vicente, e depois o Silvio, lembro bem. Logo depois desses shows o Mercinho saiu do H2O, se não me engano foi cumprir o serviço militar e começou a tocar com o Eduardo no recém-criado “Perigo de Vida”. O André saiu também, por causa do vestibular que se aproximava, ficamos Adelmo e eu. Acho que por meio do Adelmo chegamos no Eduardo Perrucho, baixista, e tivemos uma boa fase como “power trio”, com os arranjos mais elaborados de falei acima. Nessa época já tocávamos um pouco melhor, continuamos com uns temas mais instrumentais, o Perrucho era fantástico para criar esses temas, com temas alternados de guitarra e baixo. Fizemos alguns shows ai, em várias festas, inclusive nas festas que o Eduardo também menciona na entrevista dele, umas organizadas, se me lembro bem, pelo Vicente. Começamos a ensaiar de madrugada em um estúdio profissional no centro, de um amigo do Adelmo, isso foi em 1985 (lembro que saia da aula, à noite, e ia ensaiar). Nessa época uma composição do Mercinho e de uma amiga dele – desculpa, não lembro o nome dela - foi selecionada para um festival que houve. Não lembro os detalhes, mas foi ali no “Centro de Criatividade”, e fomos todos la assistir o Mercinho cantando (acho que ele ficou em 3º lugar, mas não tenho certeza). De qualquer modo, o Mercinho cantou super-bem, era um “blues” bem legal e o pessoal que acompanhava os concorrentes era um pessoal profissional da cidade, fizeram um arranjo impressionante. Depois disso o Mercinho voltou a cantar conosco, principalmente para um novo grande festival que aconteceu na Atalaia, no réveillon de 1985/1986 (são desse show as únicas fotos que tenho do H2O – não era o mundo digital de hoje, em que era fácil tirar fotos...). Lembro que o “Perigo de Vida” tocou nesse show também.

Esse show na praia foi fantástico, acho que foi o ápice do H2O, e aconteceram algumas coisas engraçadas que, na época, viraram “lenda”. No final da música que tocamos, que também era uma composição do Mercinho e dessa amiga dele (acho que o nome era “Pique da Repressão”), tinha um solo de guitarra. No final desse solo, a correia da minha guitarra se soltou, e tive que ficar tocando com ela meio “solta”, “flutuando” no ar (mas não foi proposital). No final, com a bateria e o baixo “finalizando”, como estava solta mesmo, terminei jogando a guitarra para o alto e ela caiu no palco com as cordas viradas para baixo (o que “travaria o som”). Mas o curioso é que a alavanca segurou isso e deixou as cordas ressoando e ficou oscilando no chão, criando um efeito impressionante no final da música...Ai fiquei meio com fama de “Jimi Hendrix” meio maluco, entende? Mas foi casual, não foi planejado nem nada. Tinha também essa coisa de tocar com a guitarra sobre a cabeça, etc.
Depois, com essa formação (eu, Perrucho, Mercinho e Adelmo) fizemos vários shows, inclusive alguns no circo do Jorge Lins, na Atalaia (seguindo a idéia do Circo Voador do Rio, era muito legal). Acho que foi a melhor fase da banda, mas infelizmente durou só uns poucos meses e depois disso acabou...Continuei tocando com o Perrucho e montamos, algum tempo depois, o “Código de Acesso”, com Guto Gama e Jazon na bateria. Mas aí eu já estava casado, na Universidade (cursando biologia), que começou a me tomar muito tempo, e a coisa complicou...Logo depois, em 1990, fui embora para São Paulo para fazer Pós-Graduação.
Alex Van Halen
Lembro-me de Emmanuel Serra (1o guitarrista que conheci e com quem depois formaria a banda Trem Fantasma, em 1988) me mostrando, maravilhado, uma fita K7 gravada em algum show. Essas fitas circulavam e nós iniciantes o tínhamos como um guitar-hero. Quando e por que você decidiu aprender guitarra? Teve algum estudo formal? Quem foram suas influências? De que bandas você participou, e quem fazia parte delas?

Não sabia dessa influência, mas muito bom saber...Gostaria de ouvir essas fitas, com certeza. Como disse antes, comecei a tocar violão e guitarra com uns 15 anos de idade, e logo depois já estávamos com o H2O. Meu pai e meu tio me ensinaram as coisas básicas e fui por tentativa e erro. Mas meu pai me ensinou muita teoria de harmonia e improvisão, conversamos muito sobre isso, ele me mostrava as escalas, teoria de formação de acordes, etc. Não tenho leitura rápida de partitura, mas sabia da idéia e consigo ler com calma. Tive algumas semanas no conservatório, e depois eu e o André tivemos uma aulas com o Orlando (não lembro o sobrenome dele), primeiro no centro e depois ali na praia 13 de julho. O Orlando era (é?) um guitarrista fenomenal e que tinha sido de uma das bandas de baile famosas dos anos 70, os “Aguias” , eu acho (meu tio havia cantado nessa banda, e ele que me apresentou ao Orlando). Não havia a facilidade de hoje, mal conseguíamos comprar as revistinhas de cifras nas bancas, e o Orlando nos ensinou muita coisa e deu muitas dicas. Lembro que minha obsessão na época era conseguir “solar” e “acompanhar” ao mesmo tempo.
Pensando que ser roqueiro nos 80's era fácil ?
Ganhei minhas primeiras guitarras e ficava tentando obter o mesmo som que ouvia nos discos, mas não sabia de pedais etc. Meu pai trouxe de presente, de uma das viagens dele para o exterior, um “Overdrive” da BOSS, ainda na primeira fase do H2O, e isso foi muito impressionante. Lembro como se fosse hoje quando liguei isso na casa do Mercinho!!!! As guitarras, logico, eram todas nacionais, e a melhor, que usava no inicio, era um Giannini “Sonic II” que tinha sido do meu tio. Depois comprei a imitação da Gibson Explorer que aparece nas fotos do show de 1985/1986, não lembro a marca dela (acho que era Tonante). Em meados de 1986 fui aos EUA pela primeira vez e trouxe a Ibanez “Destroyer” com o acabamento sunsburst, que tenho até hoje, mas aí já foi na época do “Codigo de Acesso”.
Em termos de influências mais especificas de guitarras, conhecíamos e falamos o tempo todo da “Trindade” Clapton/Page/Beck, e algum tempo depois do Van Halen, mas claro que este último estava longe demais para nós...Acho que no final de 1985 tive contato com o Yngwie Malmsteen, o “Rising Force” (1º. disco dele) tinha chegado ao Brasil. Eu já conhecia o Malmsteen por meio de revistas (uma entrevista da “Guitar Player”), umas partituras, e tinha uma fita K-7, meu pai sempre trazia coisas para mim das suas muitas viagens na época. Claro, longe de conseguir tocar algo similar, mas era o tipo de coisa que eu me esforçava para tentar fazer na época, e era bem diferente do estilo de outros colegas que estavam tocando na época. Também nunca tive paciência de ficar ouvindo e tentando copiar os solos (até hoje não tenho muita, nem paciência nem competência), até porque não seria nada fácil no caso do Malmsteen. Além disso, por causa do meu pai, que gostava muito de jazz e bossa nova, e falava muito disso, sempre valorizei o improviso, o que me dava, para o bem ou mal, um estilo meio único e diferente (lembro do Guto Gama me dizendo uma vez que os meus solos não pareciam muito solos de rock, etc – acho que ele tinha razão - rsrsrsrsrsrsrs).
Perrucho, Alexandre e um Corcel II
Toquei com o H20 e o “Código de Acesso” aí em Aracaju, depois com algumas outras pessoas e grupos (“Filhos da Crise”?) rapidamente, mas não sei porque não me lembro mais dos detalhes dessa época. Chegamos a gravar umas musicas em estúdio nessa época, acho que foi um concurso...Algo de musica ambiental ou ecológica. Infelizmente não lembro de quase nada desse período, depois do código de acesso. Quando fui fazer pós-graduação em Rio Claro, SP, juntei com uns colegas e chegamos a fazer umas apresentações, tocando muito Pink Floyd principalmente, mas nada muito formal. Nessa época o mais legal era tocar violão nos botecos, o pessoal todo cantando, isso era uma coisa que não tinha muito em Aracaju, foi uma boa novidade. Me beneficiei, nessa época, do aprendizado meio “paralelo” que tinha com meu pai ouvindo bossa nova e MPB, principalmente tocando Tom Jobim, Vinicius, Toquinho, Djavan. Quando vim para Goiânia parei um bom tempo, mas uns 12 anos atrás cheguei a montar uma banda aqui de Pop com meu cunhado, Olavo Telles, que é hoje musico profissional aqui em Goiânia, e um primo de minha esposa, e fizemos alguns shows também. Agora estou parado, mas toco em casa principalmente baixo com meu filho mais novo, o João Pedro, que já é um excelente baterista!!!

Você falou em Malmsteen (todo mundo em algum momento entrou nessa de estudar arpejos e menor harmônica). Você continuou se atualizando em termos de novos guitarristas e equipamentos (citando alguns "da moda" entre os guitarristas: Guthrie Govan, guitarras Suhr, pedais Bogner, etc)?


Não, infelizmente não tenho muito tempo, minha carreira acadêmica me toma praticamente 100% do tempo. Continuei comprando os discos do Malmsteen (por um tempo) e do pessoal mais antigo. Cheguei a tocar umas coisas do Robert Johnson depois, continuo comprando uns livros às vezes, principalmente de jazz, mas nada muito sistemático. Da “nova” geração (que sei que não é, de fato, nada nova – rsrsrsrsrsrs), escuto umas coisas do Steve Vai e do Joe Satriani (a série deles do G3 é ótima). Cheguei a usar o GuitarPro (que é fantástico) um tempo para aprender mais solos e rifts, e eventualmente uso os recursos atuais da Web para ver uma ou outra coisa que me interessa (mas coisas antigas). Fico sempre impressionado com a facilidade que há hoje para aprender a tocar, com as cifras, tablaturas, vídeos e aulas online, impressionante...Meu filho me mostra algumas coisas novas às vezes, mas nada que me chame muita atenção. Continuo sendo nostálgico, e a falta de tempo não ajuda!

Voçê ainda toca guitarra? A Destroyer (hoje um item raro, desconfio) continua 100% operacional?

Destroyer: EVH & Smith-approved
Sim, está totalmente operacional, só com uns desgastes na pintura, mas bem “vintage”. Quando eu comprei nos EUA em 1986, ela já era usada, então não sei de fato quantos anos ela tem. Tenho uma “Jackson” mais moderna, uns violões e uma semi-acústica, mas ainda prefiro a Ibanez entre todas...Como disse antes, às vezes ainda rola um violão em festinhas, e toco com meu filho na bateria. Por isso terminei esses dias comprando um baixo bem simples tb, é mais legal para acompanhar a bateria. Estamos há um tempo pensando em gravar, nada sério, só para registrar, fizemos uns arranjos legais novos para uns temas que tocávamos no H2O. Vamos ver...
Uma coisa legal que lembrei agora. Na minha área de pesquisa (Ecologia e Biologia Evolutiva) tem um professor americano, o Nick Gotelli bem importante que trabalha na Universidade de Vermont. Ele é também um fanático por música e guitarras, meio country/pop/folk, grava tudo e na página dele na Universidade tem inclusive um “musician’s corner”, onde ele registra os encontros dele. Há uns anos atrás nos encontramos em um congresso na Alemanha em 2006 e, quando ele soube que eu tocava violão/guitarra, organizou para tocarmos violão lá. Foi ótimo, tocamos as 3 noites para o pessoal do congresso (dá para ouvir um pessoal conversando no fundo) e na última fizemos inclusive uma gravação com um aparelho portátil que ele tinha levado para lá também (confiram aqui). Gosto do solo dele em “Corcovado/Mania de Você” e do meu solo em “It Don’t Mean a Thing”...Nada demais, mas acho que tem umas coisas legais e está bom para um primeiro encontro, em 3 dias! De qualquer modo, mostra com a música pode ser importante nessa contexto “social”.
Jam com Nick Gotelli, 2006

Em algum momento você chegou a considerar a Música como opção profissional, ou seja, viver de Música?


Naquela época do H2O acho que todos pensávamos nisso, e acho que teria sido possível. Claro, é sempre muito difícil, é uma carreira que só surge com muita sorte, além de oportunidades. Mas éramos muito jovens e imaturos, e perdemos algumas boas oportunidades que poderiam ter desencadeado isso. Não sei, mas considerando a explosão que houve no rock nacional depois, em retrospectiva acho que se tivéssemos tido orientação e alguém mais experiente tivesse tido essa visão ai em Aracaju, poderia ter acontecido...

Pedi a Emmanuel que também falasse alguma coisa sobre Alexandre e o H2O, eis seu depoimento:

Bem, Marcus, em primeiro lugar parabéns pela sua iniciativa do blog, acredito que ajudará a contar a História do Rock em SE, posso ver logo por essa entrevista com o Alexandre. 

Emmanuel e seu alaúde: o ângulo de 17 graus no
headstock das Les Pauls era pouco...
Não tenho muito o que acrescentar em relação ao Alexandre, a entrevista está bem completa, e na posição de "fã" que eu era dele e do Mercinho, o que eu mais me lembro é da guitarra do Alexandre, tentando envenenar seus captadores e pinturas no corpo dela como Van Halen fazia em suas guitars, os pedais da Boss overdrive, delay e acho que um chorus, e, claro, dos grandes shows na praça Tobias Barreto (N.R.: Em meados dos anos 80 havia shows todo domingo na concha acústica da praça. Não existiam ainda shoppings e a feirinha dominical era o grande point da juventude), em alguns bares e acho que teve o H2O também no Amoras e Amores na Coroa do Meio.

É isso aí, cara, bons tempos que não voltam mais, e a galera dessa nova geração que faz esses sons acha que aqui nunca teve nada, teve muita coisa boa, dentre dos limites técnicos, artísticos e musicais de cada um que não tinha onde estudar nesse "fim de mundo", e eram muito talentosos.