Esta série de posts, iniciada hoje, será dedicada aos musicausos de algumas sessões de estúdio que fiz, de 1996 em diante. Tentarei fazer uma apreciação musical da música/compositor/intérprete bem como dos "guitarisms" propriamente ditos. Creio que esta abordagem agradará tanto aos apreciadores da Música Sergipana como aos meus colegas das 6 cordas. Sugiro fortemente que a leitura não seja iniciada antes de se apertar seu respectivo PLAY. Obrigado e vamos lá!
HANNA BELLY
No
começo dos anos 2000 frequentei bastante o estúdio Capitania do
Som, de Neu Fontes. Fosse gravando sessions ou apenas como um amigo
ávido por aprender mais com o mestre, que àquela altura já
contabilizava uns 20 anos de atividade como artista-solo, compositor,
produtor musical e agente cultural dos mais destacados.
No
ano de 2005, Neu produziu um CD para a trilha de um espetáculo de
dança da Cia. Hanna Belly, de Cecília Cavalcante. E que além de
canções originais, contou com a participação de violonistas e
compositores como Alvino Argollo, Alberto Nery e o próprio Neu, ele
próprio violonista habilidoso e ex-aluno do Conservatório de Música
de Sergipe. E conversa vai conversa vem, eis que ele me convida para
tocar violão na faixa-título. Sim, violão de nylon, numa pegada
meio flamenca/Paco de Lucia, aquelas coisas.
Arte do CD do Portal Hanna Belly |
Embora
eu seja essencialmente um guitarrista de rock, o singelo violãozinho
– da seresta, do banquinho, do concerto – foi meu primeiro
instrumento. E em casa, até hoje ele é minha 1a opção,
pela praticidade. É pegar e tocar, sem complicação de cabos,
pedais, tomadas, correias, etc. De forma que adorei a oportunidade de
tocar umas escalas menores, costurando o vocal “magaliano” e
cheio de drives de Neu.
O
violão que usei foi um do próprio Neu. Um violão de uma dessas
marcas chinocas que vem invadindo o mercado já há alguns anos, e
que Neu conta, entre risadas, que comprou a Mingo na Casa do Artista:
“tava lá, peguei o violãozinho, fiz uns acordes e disse: é
meu!”. De fato, apesar de ser um instrumento barato, o danado tem
muito equilíbrio de frequências e soou muito bem. Usei palheta na
gravação, do contrário não conseguiria fazer os runs
'faux-flamencos' nem as frases malmsteeneanas. A maioria delas
improvisada, e uma curiosidade: em 2:36, uma referência explícita a
Yngwie, pois toquei trecho do tema de “Eclipse”, do álbum
homônimo de 1990.
Enfim,
diversão pura numa session leve entre amigos, em que tudo fluiu, sob
os bons fluidos da dama de copas e da papisa da letra.
TARDES
Participei
da banda-base de seis festivais Sescanção: anos de 2000, 01, 03, 04,
05 e 06. Uma verdadeira escola, que me permitiu trabalhar - mesmo que
por uma vez apenas - com artistas que de outra forma dificilmente
teria oportunidade, a exemplo de Irmão, Ismar Barreto, Lina Souza,
Cláudio Barreto, Kléber Melo e muitos outros. Eu e Valdo França
éramos responsáveis pela maioria dos arranjos, variando caso-a-caso
conforme o grau de envolvimento do artista. Alguns envolviam-se a tal
ponto que pouco ou nenhum espaço à criação restava aos músicos.
Outros, em contrapartida, chegavam com mero esboço no violão e
confiavam plenamente à banda-base os arranjos. A esta última
categoria pertencia Marcos Aurélio.
Destaque de festivais importantes nos anos 80 e figura muito “leve”, meu
xará emplacou duas músicas nesse punhado de 6 CDs que gravei.
“Esquinas, Canais e Poxins” e “Tardes”, no CD de 2001. E de
“Tardes” falaremos: embora a música tenha solos de guitarra na
introdução e entre os versos, a condução da música é feita pelo
violão de aço – que gravei dobrado - buscando um clima mais
intimista, com eventuais inserções de guitarra, preparando para o
grand finale: um coda com um minuto de...rock progressivo (!),
uma ideia que tive do nada durante os ensaios. E assim foi gravado,
com compasso 7/4, muitas viradas de bateria, etc. Marcos permitia
todas essas experiências e se divertia tanto quanto a gente. E as
gravações que fiz para ele estão entre as minhas favoritas.
O compositor e cantor Rubens Lisboa - também autor do blog semanal Musiqualidade - e sua prosa entusiasmante abrilhantam, a partir de agora, este post:
“Conheci
Marcos Aurélio em 1985 na segunda edição do Festival Novo Canto, o
único que, na época, se preocupava em revelar reais talentos
musicais sergipanos. Se a memória não estiver a me trair, ele
concorria com duas canções, mas me lembro perfeitamente de que uma
delas, “Navalha no Pescoço”, sagrou-se merecidamente a campeã
naquele evento.
Com minha
timidez de adolescente, demorei um pouco a me aproximar daquele jovem
de quem fiquei fã desde a primeira vez que o ouvi. Dono de uma voz
inconfundivelmente bela e com uma extensão como poucas vezes tinha
ouvido antes, Marcos seria o intérprete perfeito para algumas das
canções que me começavam a brotar.
Quis o
destino, no entanto, que até hoje esse desejo não se concretizasse.
No entanto, já no ano seguinte, quando eu, universitário, estava à
frente da realização de um festival de música na UFS, nós nos
aproximamos naturalmente e aí pude constatar que Marcos Aurélio não
era só grande como artista, mas também como ser humano.
Ato contínuo,
ele passou a frequentar minha residência todas as vezes em que ia
buscar sua noiva que trabalhava numa videolocadora próxima e aí
vimos como possuíamos gostos musicais parecidos. Muitas ideias e
impressões foram trocadas, mas a vida seguiu como faz incansável e
impiedosamente...
Algum tempo
depois, quando eu estava a escolher o repertório para o meu primeiro
CD, surgiu e me mostrou uma bela canção que havia composto e que,
segundo ele, se parecia comigo. Amei a música de cara e quis muito
gravá-la. Ele me prometeu que a registraria em uma fita cassete (é,
será que alguém ainda se lembra do que é isso?) e até hoje eu
espero.
Marcos
Aurélio é biscoito muito fino. Intérprete irrepreensível que une
técnica e emoção na medida certa, além de ser um compositor
inspirado, por que será que ainda não conseguiu o reconhecimento à
altura de seu talento? Embora eu guarde algumas suposições a
respeito que prefiro tê-las para mim, a resposta certa talvez
somente os deuses da música possam dar.
O fato é que
eu continuo fã de carteirinha desse cara, e isso eu confesso de
peito aberto: uma das maiores vozes masculinas que já ouvi na vida.
Ávido por reencontrá-lo nos palcos, continuo querendo muito ouvir
em breve a tão esperada notícia de que seu primeiro CD irá sair. E
a vida segue incansável e maravilhosamente...”
HISTÓRIA PERFEITA
Em março de 2006 recebi
um telefonema de Petta, do Central Estúdio, para fazer uma session
de... forró. Fiquei surpreso, pois o estilo possui algumas
idiosincrasias um pouco distantes do que costumo tocar, mas
prontamente aceitei o convite, e lá fui eu numa noite em que as
águas de março resolveram de factum fechar o verão, armado com Silhouette + POD XT Live.
Como é (ou era, não sei
se o curso de Música da UFS mudou isso) comum em muitas sessions do
tipo, você é chamado sem conhecer nada da música e tem que
aprender a música e criar suas partes na hora. Nunca gostei muito
dessa abordagem, mas sempre fui otimista, acreditando que “no fim dá tudo
certo” e assim penso que a maioria delas, de fato, deu. Quando gravei estávamos apenas eu e
Petta no estúdio, acho que depois o “dono” da banda apareceu –
sempre achei esquisitíssimo uma banda ter um “dono”, mas isso
seria assunto para um post inteiro. No baixo, o saudoso Gilson Batata,
então onipresente nas gravações de forró. Os demais integrantes
não conheço (acho que Petta fez teclados), em todo caso quando
gravei havia apenas guias. Valendo mesmo acho que só baixo e
bateria.
Foi enorme a quantidade
de tracks que tive de gravar: base “telengotengo”, base com power
chords (sim, não é exclusividade do Metal), solo com distorção,
dobra do solo e uma inacreditável base fazendo mute nas cordas, com
wah-wah (como na introdução de Voodoo Child, de Jimi) Indaguei a
Petta se era aquilo mesmo: “todo forró hoje tem isso!” -
disse ele. Não tenho certeza, mas acho que ainda toquei violão na
introdução. E o babadinho, ó...
Depois soube que a música
era versão de uma banda gaúcha que fazia algum sucesso na época –
de fato, pouco depois da gravação viajei pra Gramado/RS e ouvi a
tal música (com os arranjos pampescos, claro) tocando no sistema de
som de uma loja. Curiosamente, a introdução da versão original foi
utilizada no forró também, um sampler completo. Ou seja, a
gravação made in Central só começa, de fato, aos 0:18, com
os 1os versos do vocalista (a la Zezé/Diau, como bastante em voga na
época).
Petta, cérebro do Central |
Interessante como o
pessoal do forró conseguia mixar tantos elementos juntos: além dos
vários tracks que gravei tem sanfona (que fica mais desenhando que
fazendo base), percussão, teclados, vocais, etc. Uma audição
atenta mostra que esses elementos ficam bem espalhados pelo panorama
do mix, e alguns bastante escondidos
Como gosto de ter todas as sessions que fiz, voltei em Petta algumas vezes mas não
consegui com ele a mix final. O material já tinha sido apagado dos
HDs, algo do tipo. Não lembro se a música chegou a integrar um CD
da banda – aliás, nem sei se ainda existe a banda. E tê-la
conseguido, na verdade, foi pura sorte. Eu navegava no finado Orkut,
quando encontrei a comunidade de fãs da banda, e num post alguém
pôs o link para várias músicas. Fui ouvindo-as até enfim encontrar as
“minhas”.
FLOR BRASIL
O
cantor e compositor Irmão, falecido em 2010, foi o vencedor da
versão 2005 do Festival Sescanção, antes desse ser transformado em
“mostra de música” e dispensando a classificação. Formado em
Economia e servidor público estadual, Wellington dos Santos a.k.a.
Irmão contava comlonga trajetória na música sergipana, ao lado do
parceiro Tonho Baixinho, e sua obra possuía um grande viés social,
apontando as mazelas das minorias. No caso desta música em
particular, da população indígena. O que fica bem claro no verso
“Zarabatana pega de jeito, com essa gente tem que se ter respeito”.
Além de citar várias das nações indígenas “São Tapajós,
Xocós, Xavantes, Carajás (…) porque são homens e mulheres pais
desse país”.
Vinnas, Irmão e Robson MacShear - Sescanção 2005 |
Para
o arranjo, que é um Ijexá com muitos elementos percussivos, optei
por uma sonoridade que lembrasse a guitarra baiana, com o uso de
notas muito agudas – já no 1º solo aparece um F#6 (o bend de um tom
na nota MI da 24ª casa, 1a
corda) – e fraseado a la Armandinho Macedo, uma de minhas primeiras
influências.
Uma
outra raridade para mim foi o uso de slide. Não tenho o menor
talento para ele, mas gosto de utilizá-lo quando a cadência muda rápido e
preciso espremer dois acordes de mesmo shape em pouco tempo. E é justo isso o que acontece na parte B da
música: dois acordes por compasso.
Tinha
acabado de adquirir um POD XT Live, então uma novidade, e usei
vários timbres dele ao longo desse CD. Para o solo de Flor Brasil me
lembro de ter usado simulação do pré-amplificador Marshall JMP-1,
conhecido por ter dado vida a muitos álbuns clássicos do hard-rock
oitentista e por ter um som “justo” (ou tight, como dizem os
gringos). E acho que isso ajudou a me aproximar da sonoridade aguda
das baianinhas. Outra curiosidade é que gravei minhas partes em
casa, no modesto PC que tinha à época, salvo engano usando o Sonar.
Depois levei os tracks pro estúdio num CD-RW (o pen-drive ainda não era tão
popular como é hoje) apenas para a pós-produção (compressão, EQ, reverb etc).
O DIA SE FEZ LUZ
ResponderExcluirNão se deixe que te roubem o seu eu.
A noite agora já é passado
Todos os beijos são apenas lembranças
Um sonho, talvez mil e um desejos.
A magia aconteceu
Era uma carruagem dourada.
Ainda temos história nos esperando
E pelas escolhas podemos voltar!
Combata o medo, e castre sua ilusão.
Deixe seu sorriso te dominar;
Pois à distância o amor cura.
Deus completa toda suas necessidades
Perdoem os incapacitados de perdoar
Faça valer o teu lado bom
Quem partiu levou o amor.
E o dia se fez luz.
Enquanto tu em nada mudou.
Escrito por Orlando Oliveira, em 03 de abril de 2017.
ORLANDO S OLIVEIRA
Enviado por ORLANDO S OLIVEIRA em 15/04/2016
Código do texto: T5605682
Classificação de conteúdo: seguro
Marquinho amigo irmão, parabéns por toda essa cultura que aqui encontre.
ResponderExcluirOrlando do Médici 1
http://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/index.php
ResponderExcluirVai procurar por Orlandodabanda.
http://bandapelomenos.blogspot.com.br/
ResponderExcluirDo nada, raiou o dia.
ResponderExcluirEsplêndido, pomposo, suntuoso,
O trem chegou à estação.
O pássaro voltou para o ninho.
À noite se fez dia e o sol se fez luz.
A esperança ressurgiu da escuridão
E a musica se fez melodia de amor.