sexta-feira, 25 de outubro de 2013

GRAVINNAS - vol. I

Esta série de posts, iniciada hoje, será dedicada aos musicausos de algumas sessões de estúdio que fiz, de 1996 em diante. Tentarei fazer uma apreciação musical da música/compositor/intérprete bem como dos "guitarisms" propriamente ditos. Creio que esta abordagem agradará tanto aos apreciadores da Música Sergipana como aos meus colegas das 6 cordas. Sugiro fortemente que a leitura não seja iniciada antes de se apertar seu respectivo PLAY. Obrigado e vamos lá!

HANNA BELLY

No começo dos anos 2000 frequentei bastante o estúdio Capitania do Som, de Neu Fontes. Fosse gravando sessions ou apenas como um amigo ávido por aprender mais com o mestre, que àquela altura já contabilizava uns 20 anos de atividade como artista-solo, compositor, produtor musical e agente cultural dos mais destacados.

No ano de 2005, Neu produziu um CD para a trilha de um espetáculo de dança da Cia. Hanna Belly, de Cecília Cavalcante. E que além de canções originais, contou com a participação de violonistas e compositores como Alvino Argollo, Alberto Nery e o próprio Neu, ele próprio violonista habilidoso e ex-aluno do Conservatório de Música de Sergipe. E conversa vai conversa vem, eis que ele me convida para tocar violão na faixa-título. Sim, violão de nylon, numa pegada meio flamenca/Paco de Lucia, aquelas coisas.

Arte do CD do Portal Hanna Belly
Embora eu seja essencialmente um guitarrista de rock, o singelo violãozinho – da seresta, do banquinho, do concerto – foi meu primeiro instrumento. E em casa, até hoje ele é minha 1a opção, pela praticidade. É pegar e tocar, sem complicação de cabos, pedais, tomadas, correias, etc. De forma que adorei a oportunidade de tocar umas escalas menores, costurando o vocal “magaliano” e cheio de drives de Neu.

O violão que usei foi um do próprio Neu. Um violão de uma dessas marcas chinocas que vem invadindo o mercado já há alguns anos, e que Neu conta, entre risadas, que comprou a Mingo na Casa do Artista: “tava lá, peguei o violãozinho, fiz uns acordes e disse: é meu!”. De fato, apesar de ser um instrumento barato, o danado tem muito equilíbrio de frequências e soou muito bem. Usei palheta na gravação, do contrário não conseguiria fazer os runs 'faux-flamencos' nem as frases malmsteeneanas. A maioria delas improvisada, e uma curiosidade: em 2:36, uma referência explícita a Yngwie, pois toquei trecho do tema de “Eclipse”, do álbum homônimo de 1990.

Enfim, diversão pura numa session leve entre amigos, em que tudo fluiu, sob os bons fluidos da dama de copas e da papisa da letra.

TARDES


Participei da banda-base de seis festivais Sescanção: anos de 2000, 01, 03, 04, 05 e 06. Uma verdadeira escola, que me permitiu trabalhar - mesmo que por uma vez apenas - com artistas que de outra forma dificilmente teria oportunidade, a exemplo de Irmão, Ismar Barreto, Lina Souza, Cláudio Barreto, Kléber Melo e muitos outros. Eu e Valdo França éramos responsáveis pela maioria dos arranjos, variando caso-a-caso conforme o grau de envolvimento do artista. Alguns envolviam-se a tal ponto que pouco ou nenhum espaço à criação restava aos músicos. Outros, em contrapartida, chegavam com mero esboço no violão e confiavam plenamente à banda-base os arranjos. A esta última categoria pertencia Marcos Aurélio.


Destaque de festivais importantes nos anos 80 e figura muito “leve”, meu xará emplacou duas músicas nesse punhado de 6 CDs que gravei. “Esquinas, Canais e Poxins” e “Tardes”, no CD de 2001. E de “Tardes” falaremos: embora a música tenha solos de guitarra na introdução e entre os versos, a condução da música é feita pelo violão de aço – que gravei dobrado - buscando um clima mais intimista, com eventuais inserções de guitarra, preparando para o grand finale: um coda com um minuto de...rock progressivo (!), uma ideia que tive do nada durante os ensaios. E assim foi gravado, com compasso 7/4, muitas viradas de bateria, etc. Marcos permitia todas essas experiências e se divertia tanto quanto a gente. E as gravações que fiz para ele estão entre as minhas favoritas.

O compositor e cantor Rubens Lisboa - também autor do blog semanal Musiqualidade -  e sua prosa entusiasmante abrilhantam, a partir de agora, este post:


Conheci Marcos Aurélio em 1985 na segunda edição do Festival Novo Canto, o único que, na época, se preocupava em revelar reais talentos musicais sergipanos. Se a memória não estiver a me trair, ele concorria com duas canções, mas me lembro perfeitamente de que uma delas, “Navalha no Pescoço”, sagrou-se merecidamente a campeã naquele evento.


Com minha timidez de adolescente, demorei um pouco a me aproximar daquele jovem de quem fiquei fã desde a primeira vez que o ouvi. Dono de uma voz inconfundivelmente bela e com uma extensão como poucas vezes tinha ouvido antes, Marcos seria o intérprete perfeito para algumas das canções que me começavam a brotar.

Quis o destino, no entanto, que até hoje esse desejo não se concretizasse. No entanto, já no ano seguinte, quando eu, universitário, estava à frente da realização de um festival de música na UFS, nós nos aproximamos naturalmente e aí pude constatar que Marcos Aurélio não era só grande como artista, mas também como ser humano.

Ato contínuo, ele passou a frequentar minha residência todas as vezes em que ia buscar sua noiva que trabalhava numa videolocadora próxima e aí vimos como possuíamos gostos musicais parecidos. Muitas ideias e impressões foram trocadas, mas a vida seguiu como faz incansável e impiedosamente...

Algum tempo depois, quando eu estava a escolher o repertório para o meu primeiro CD, surgiu e me mostrou uma bela canção que havia composto e que, segundo ele, se parecia comigo. Amei a música de cara e quis muito gravá-la. Ele me prometeu que a registraria em uma fita cassete (é, será que alguém ainda se lembra do que é isso?) e até hoje eu espero.

Marcos Aurélio é biscoito muito fino. Intérprete irrepreensível que une técnica e emoção na medida certa, além de ser um compositor inspirado, por que será que ainda não conseguiu o reconhecimento à altura de seu talento? Embora eu guarde algumas suposições a respeito que prefiro tê-las para mim, a resposta certa talvez somente os deuses da música possam dar.

O fato é que eu continuo fã de carteirinha desse cara, e isso eu confesso de peito aberto: uma das maiores vozes masculinas que já ouvi na vida. Ávido por reencontrá-lo nos palcos, continuo querendo muito ouvir em breve a tão esperada notícia de que seu primeiro CD irá sair. E a vida segue incansável e maravilhosamente...”

HISTÓRIA PERFEITA


Em março de 2006 recebi um telefonema de Petta, do Central Estúdio, para fazer uma session de... forró. Fiquei surpreso, pois o estilo possui algumas idiosincrasias um pouco distantes do que costumo tocar, mas prontamente aceitei o convite, e lá fui eu numa noite em que as águas de março resolveram de factum fechar o verão, armado com Silhouette + POD XT Live.

Como é (ou era, não sei se o curso de Música da UFS mudou isso) comum em muitas sessions do tipo, você é chamado sem conhecer nada da música e tem que aprender a música e criar suas partes na hora. Nunca gostei muito dessa abordagem, mas sempre fui otimista, acreditando que “no fim dá tudo certo” e assim penso que a maioria delas, de fato, deu. Quando gravei estávamos apenas eu e Petta no estúdio, acho que depois o “dono” da banda apareceu – sempre achei esquisitíssimo uma banda ter um “dono”, mas isso seria assunto para um post inteiro. No baixo, o saudoso Gilson Batata, então onipresente nas gravações de forró. Os demais integrantes não conheço (acho que Petta fez teclados), em todo caso quando gravei havia apenas guias. Valendo mesmo acho que só baixo e bateria.

Foi enorme a quantidade de tracks que tive de gravar: base “telengotengo”, base com power chords (sim, não é exclusividade do Metal), solo com distorção, dobra do solo e uma inacreditável base fazendo mute nas cordas, com wah-wah (como na introdução de Voodoo Child, de Jimi) Indaguei a Petta se era aquilo mesmo: “todo forró hoje tem isso!” - disse ele. Não tenho certeza, mas acho que ainda toquei violão na introdução. E o babadinho, ó...

Depois soube que a música era versão de uma banda gaúcha que fazia algum sucesso na época – de fato, pouco depois da gravação viajei pra Gramado/RS e ouvi a tal música (com os arranjos pampescos, claro) tocando no sistema de som de uma loja. Curiosamente, a introdução da versão original foi utilizada no forró também, um sampler completo. Ou seja, a gravação made in Central só começa, de fato, aos 0:18, com os 1os versos do vocalista (a la Zezé/Diau, como bastante em voga na época).

Petta, cérebro do Central
Em 1:33 começo um solo, dobrado por teclado na maior parte do tempo, que foi o que justificou minha convocação para a session (quando surgiu a demanda por uma guitarra mais virtuosa e roqueira, Petta sugeriu meu nome): alguns runs ascendentes em sextinas e uma parada onde aparecem até fusas.

Interessante como o pessoal do forró conseguia mixar tantos elementos juntos: além dos vários tracks que gravei tem sanfona (que fica mais desenhando que fazendo base), percussão, teclados, vocais, etc. Uma audição atenta mostra que esses elementos ficam bem espalhados pelo panorama do mix, e alguns bastante escondidos
Como gosto de ter todas as sessions que fiz, voltei em Petta algumas vezes mas não consegui com ele a mix final. O material já tinha sido apagado dos HDs, algo do tipo. Não lembro se a música chegou a integrar um CD da banda – aliás, nem sei se ainda existe a banda. E tê-la conseguido, na verdade, foi pura sorte. Eu navegava no finado Orkut, quando encontrei a comunidade de fãs da banda, e num post alguém pôs o link para várias músicas. Fui ouvindo-as até enfim encontrar as “minhas”.  

FLOR BRASIL


O cantor e compositor Irmão, falecido em 2010, foi o vencedor da versão 2005 do Festival Sescanção, antes desse ser transformado em “mostra de música” e dispensando a classificação. Formado em Economia e servidor público estadual, Wellington dos Santos a.k.a. Irmão contava comlonga trajetória na música sergipana, ao lado do parceiro Tonho Baixinho, e sua obra possuía um grande viés social, apontando as mazelas das minorias. No caso desta música em particular, da população indígena. O que fica bem claro no verso “Zarabatana pega de jeito, com essa gente tem que se ter respeito”. Além de citar várias das nações indígenas “São Tapajós, Xocós, Xavantes, Carajás (…) porque são homens e mulheres pais desse país”.


Vinnas, Irmão e Robson MacShear - Sescanção 2005
Para o arranjo, que é um Ijexá com muitos elementos percussivos, optei por uma sonoridade que lembrasse a guitarra baiana, com o uso de notas muito agudas – já no 1º solo aparece um F#6 (o bend de um tom na nota MI da 24ª casa, 1a corda) – e fraseado a la Armandinho Macedo, uma de minhas primeiras influências.

Uma outra raridade para mim foi o uso de slide. Não tenho o menor talento para ele, mas gosto de utilizá-lo quando a cadência muda rápido e preciso espremer dois acordes de mesmo shape em pouco tempo. E é justo isso o que acontece na parte B da música: dois acordes por compasso.

Tinha acabado de adquirir um POD XT Live, então uma novidade, e usei vários timbres dele ao longo desse CD. Para o solo de Flor Brasil me lembro de ter usado simulação do pré-amplificador Marshall JMP-1, conhecido por ter dado vida a muitos álbuns clássicos do hard-rock oitentista e por ter um som “justo” (ou tight, como dizem os gringos). E acho que isso ajudou a me aproximar da sonoridade aguda das baianinhas. Outra curiosidade é que gravei minhas partes em casa, no modesto PC que tinha à época, salvo engano usando o Sonar. Depois levei os tracks pro estúdio num CD-RW (o pen-drive ainda não era tão popular como é hoje) apenas para a pós-produção (compressão, EQ, reverb etc).







5 comentários:

  1. O DIA SE FEZ LUZ

    Não se deixe que te roubem o seu eu.
    A noite agora já é passado
    Todos os beijos são apenas lembranças
    Um sonho, talvez mil e um desejos.
    A magia aconteceu
    Era uma carruagem dourada.

    Ainda temos história nos esperando
    E pelas escolhas podemos voltar!
    Combata o medo, e castre sua ilusão.
    Deixe seu sorriso te dominar;
    Pois à distância o amor cura.

    Deus completa toda suas necessidades
    Perdoem os incapacitados de perdoar
    Faça valer o teu lado bom
    Quem partiu levou o amor.
    E o dia se fez luz.
    Enquanto tu em nada mudou.


    Escrito por Orlando Oliveira, em 03 de abril de 2017.



    ORLANDO S OLIVEIRA

    Enviado por ORLANDO S OLIVEIRA em 15/04/2016
    Código do texto: T5605682
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  2. Marquinho amigo irmão, parabéns por toda essa cultura que aqui encontre.
    Orlando do Médici 1

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  3. http://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/index.php
    Vai procurar por Orlandodabanda.

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  4. http://bandapelomenos.blogspot.com.br/

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  5. Do nada, raiou o dia.
    Esplêndido, pomposo, suntuoso,
    O trem chegou à estação.
    O pássaro voltou para o ninho.
    À noite se fez dia e o sol se fez luz.
    A esperança ressurgiu da escuridão
    E a musica se fez melodia de amor.

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