sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

JURANDIR SANTANA - Homem-Chula

No final de 1985 cursava o 2o científico e fiz um passeio com os colegas de classe para a ilha de Itaparica. Um dos fatos marcantes foi a incessante repetição no ônibus, por parte de dois colegas, de um irritante e até então desconhecido refrão, cantado sem muita afinação e que falava de pegar ela aí pra passar batom na boca e na bochecha. E todos - menos eu, um projeto de  metalhead - se divertiam muito com as presepadas e o trocadilho. Era o início da dominação do gênero que reinaria nas paradas por mais de década. E o "som da Bahia" começava a adquirir contornos obscuros para mim...


Em 1989 conheci pessoalmente o baiano Alex Vargas, guitarrista de Daniela Mercury, que veio estudar Economia na UNIT e deixou todo mundo boquiaberto, pois tocava o Rising Force na íntegra. Foi a única vez na vida que subi num palco tocando baixo, virei o Noel Redding dele. Era o que me restava diante daquele guitar assault avassalador. Fomos próximos por algum tempo e até música em parceria fizemos.


E aos poucos a Bahia e eu íamos nos reconectando e tecendo a paz musical (ainda menino, e isso muito antes do Rock chegar, fui a um show de A Cor do Som. E depois de ver Armandinho de perto decidi que aprenderia guitarra). No começo dos 90´s conheci Alex Mesquita, a quem trouxe para um workshop de dois dias em 1993 (talvez o primeiro ocorrido nestas terras), depois conheci o som de Mou Brasil, Gerson Silva e muitos outros, dentre eles Jurandir Santana. Na verdade, e eu só descobriria isso algum tempo depois, a música "do povo" impregna a Música Brasileira já faz muito tempo. Alex Vargas me disse uma vez, isso já nos anos 2000, que estava pesquisando guitarra baiana, Chula etc. Mas a Chula já apitava no Expresso 2222, pela pegada virtuosa do Mestre Gil, desde 1972. Eu era que não sabia disso ainda.

Jurandir Santana é um expoente dessa geração de músicos que, a exemplo de Fred Andrade e Luciano Magno em Recife com seus frevos e maracatus, incorpora a música nordestina e baiana à linguagem do jazz, do improviso, forjando música brasileira de forte apelo universal. Afinal, tendo o Homem surgido na África e sendo a Bahia o mais africano dos Estados, ouvir Jurandir torna-se experiência quase atávica. Para o Homo sapiens, ouvir as vozes da África e seus desdobramentos é como voltar pro berço.

Vamos ouvir agora a voz de Jurandir, que fará workshop em Aracaju no próximo dia 22/01/2014:



Como você tornou-se guitarrista? Quais suas influências? Tenho seu CD "Só Brasil" e noto muita influência de música brasileira e nordestina.
   
Na verdade, quando eu tinha 10 anos queria ser baterista (rsrs ), eu nasci em um bairro totalmente percussivo,  chamado Liberdade, em  Salvador. Pedi uma bateria a meu pai, mas como morávamos em apartamento, não daria pra ter uma, eu queria ser músico de qualquer maneira, então achei mais prático ter um violão pra começar. Daí passei para a guitarra baiana, fascinado pelos solos de Armandinho, e a partir de 1985 fui de vez para a guitarra.
Tenho muitas influências e muitas não são guitarristas... de guitarristas posso citar os que foram uma escola pra mim: Armandinho, George Benson, Pat Martino, Pat Metheny, Toninho Horta, Nelson Veras e Mou Brasil.
No Cd Só Brasil quis mostrar minhas influências rítmicas como: Ijexá, Samba Duro, Baião, a Chula...mas eu não queria soar regional e sempre adiciono uma surpresa harmônica, tentando deixar a musica "colorida ", harmonicamente falando.


Assisti a muitos shows em Salvador, nos anos 90, de músicos da cena do Axé que se reuniam em combos instrumentais maravilhosos (assisti a Letieres Leite, Paulinho Andrade, os irmãos Brasil, dentre outros). Como está a cena em Salvador hoje, para a música instrumental?


Estão surgindo novos grupos  e há projetos importantes que ainda são mantidos, como o projeto Jazz no MAM, que foi a minha escola no Jazz.  Uma coisa bacana que vejo na cena de Salvador é que os músicos estão se dando conta que a música da cidade é forte e que é possivel tocarJjazz com o ritmo do lugar em que se vive, pra mim jazz é uma liberdade de expressão, não é necessario que toquemos bepop ou um swing americano, podemos tocar jazz no ritmo Ijexá, por exemplo.


Você trabalha também como sideman? Quais as diferenças e semelhanças entre as duas abordagens (sideman vs. frontman)?
 
Já trabalhei muito como sideman mas hoje em dia, desenvolvendo o meu trabalho solo, cada vez menos trabalho acompanhando artistas. Mas posso dizer que tudo que aprendi na música foi como sideman, tanto musicalmente como artisticamente falando. Eu observava muito os artistas com quem eu trabalhava, como eles conduziam seus respectivos trabalhos, realmente é um verdadeira escola, sem falar na quantidade de estilos musicais que tive que tocar, isso te dá uma visão muito ampla da Música. Me ajudou muito na questão de arranjos e produção musical.
Diferenças: como sideman você faz parte do contexto, está sendo conduzido pelo artista, se ele não for experiente pode colocar tudo a perder....você como frontman tem a função de ser músico e artista, tem a responsabilidade de fazer o show funcionar, de mostrar o seu trabalho. Como frontman, muitas vezes não é necessário o cara ser um instrumentista  maravilhoso.
Semelhanças: penso que se o músico já trabalha como sideman, quando ele passa pro front vem com muito mais bagagem de palco e mais completo.
 
Você pertence ao time de Romero Lubambo, João Castilho, Ivan Lins e outros - inclusive este blogueiro: engenheiros de formação. Como foi o seu estudo de Música? Você se considera um autodidata?
(risos) Me formei em engenharia elétrica pela Universidade Federal da Bahia, meu estudo musical foi através de muita curiosidade, tive aulas particulares de violão no início e depois fui buscando as coisas pela necessidade. Tive um professor muito bacana  que me deu as primeiras aulas de improvisação, o Carlos Chenaud. Mas muita coisa aprendi e aprendo na rua, errando, acertando, a vida é assim!

O que podemos esperar do workshop em Aracaju? Quais serão a abordagem e os métodos?


Além de improvisação e ritmos vou falar também da experiência de ter uma carreira fora do Brasil, como funciona o mercado atual para o músico, além de tocar composições de minha autoria e mostrar alguns arranjos que tenho feito em standards americanos, com uma linguagem totalmente afro brasileira.

Quais os seus projetos para 2014? Deixe uma mensagem para os fãs e admiradores do seu trabalho.

No começo de 2013 me mudei para Barcelona para ampliar meu mercado na europa, Muitos projetos estão por vir, para começar estou lançando meu primeiro clipe agora em janeiro 2014, gravado inteiramente em Barcelona. Na sequência vem meu segundo disco ,lançamento do “songbook Só Brasil”,  também tenho um projeto muito interessante com o baixista do pianista Omar Sosa, o Childo Thomas, uma fusão das músicas brasileira e moçambicana (esse show devemos apresentar na Europa, África e Brasil) gravação do primeiro  disco do Conectrio, grupo com o gaitista Gabriel Grossi e o percussionista Reinaldo Boaventura,  lançamentos de dois projetos com músicos espanhois que produzi no final de 2013, além do lançamento do Grupo Quebrante, um grupo instrumental com músicos  do Brasil, Argentina e Mexico.
Para fãs do meu trabalho, agradeço sempre o carinho e a admiração que as pessoas têm tido com o meu trabalho, tenho recebido muitas mensagens de músicos de todas as partes do Brasil, isso me dá mais vontade ainda de fazer coisas bacanas, é isso que move o músico.



Linkpedia

Site oficial, bastante completo:





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